*Por Gabriel Rossi:
Javier Milei chegou como um meteoro; seu carisma, que independe de juízo de valor, parece permear uma campanha que desafia a normalidade de pleitos passados na Argentina. O candidato autodeclarado “anarcocapitalista” promete passar a limpo o país e alavancá-lo para a prosperidade. Milei é, no imaginário do cidadão que o apoia, o líder que entrará com o “pé na porta”, uma espécie de homem fora do comum, fadado ao triunfo, o Deus Ex Machina do teatro.
O momento é propício para o populismo: figuras políticas arquitetadas sob a égide da imagem excêntrica e audaciosa ganham força e competitividade em uma esfera pública que está cada vez mais distante do sonho habermasiano de debates racionais e argumentativos. Sobretudo, populistas atuais entendem que a política hoje, à luz das redes sociais e de aplicativos que mixam mensagens como Whatsapp e Telegram, é mais uma questão de performance algorítmica, estética e atuações teatrais no grande palco que é a sociedade. A esfera pública, como conhecemos hoje, se articula com sentimentos e paixões, em detrimento dos fatos históricos, opiniões e instintos pessoais são mais importantes do que a racionalidade, os fatos.
O fenômeno extrapola o caso argentino. O populismo na América Latina não vai embora e tende a ficar cada vez mais acentuado. No continente, recentes pesquisas constatam uma alarmante descrença do jovem em relação ao sistema democrático (talvez pelo fato que não tenham vivido e sabem muito pouco sobre os períodos ditatoriais do passado). Soma-se a isso, um cenário comunicacional que parece levar a uma a “liquefação da política”. Uma das principais consequências deste cenário é a preocupante tribalização de grupos distintos, em uma dinâmica de confrontos diretos, atos beligerantes e fragmentação polarizada das discussões.
E, claro, a falta de filtros dos sistemas democráticos da região colabora com essa realidade. Diversos países da América Latina, inclusive, em certa medida o Brasil durante nossas experiências mais recentes, viram seus líderes eleitos por meio do sufrágio popular subvertendo as instituições estabelecidas, dividindo em vez de unir e, frequentemente, apostando no corte constitucional e na aprovação das legislaturas para o alcance de suas prioridades. E mais do que isso: em muitos países, “elites democráticas” e membros importantes da sociedade civil têm se comportado de maneira indiferente, ou até mesmo colaborativa, diante do populismo autoritário.
De tempos em tempos surgem líderes demagogos, mesmo nas democracias mais sólidas. É preciso agir para que os intervalos não sejam cada vez menores.
*Gabriel Rossi é sociólogo, pesquisador e coordenador do Master em Comunicação Política e Sociedade da ESPM.
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