Uma nação, vários Brasis

Há vários Brasis dentro deste Brasil, que já foi chamado de “o país do futuro”. Existe o Brasil dos ricos, habitado por 1% da população. E existe um outro Brasil, habitado pelos 99% dos demais brasileiros, dos quais 23 milhões vivem na pobreza.

Em nossa pátria amada (salve, salve!), existe o Brasil em que cidadãos comuns autores de crimes são processados e julgados na primeira instância. E existe o Brasil em que quase 56.000 ocupantes de cargos públicos são julgados pelas cortes superiores, integradas por ministros nomeados politicamente, porque detêm foro privilegiado.

Há o Brasil em que a imensa maioria da população somente consegue se aposentar após décadas de contribuição ao INSS ou por idade, com o teto de R$ 7.507,49, e há o Brasil no qual alguns poucos se aposentam precocemente e com o teto de R$ 39.000,00.

Neste território de 8,5 milhões de km² há um Brasil de governantes eleitos que diuturnamente pregam seu amor à democracia e fazem a defesa permanente do Estado Democrático de Direito. E também há um Brasil em que esses mesmos governantes optam pelo alinhamento internacional preferencialmente com países com outros valores, absolutamente incoerentes com o DNA brasileiro de respeito aos ideais democráticos.

Há exemplos recentes, como a aproximação com Arábia Saudita, Venezuela, China, Rússia e Egito, algo além dos interesses comerciais. Dispensável tecer comentários sobre as escolhas, porém merece destaque o índice criado em 2006 pela revista The Economist, denominado Democracy Index, em que as nações são analisadas e posicionadas num ranking de 167 países. Nesse índice, enquanto o Brasil ocupa a 51ª posição, o Egito está em 131º lugar; os Emirados Árabes Unidos, em 133º; a Rússia, em 146º; a Venezuela, em 147º; a Arábia Saudita, em 150º, e a China, na 156ª posição. Não são países propriamente exemplos de democracia esses com os quais agora se busca alinhamento.

Existe o Brasil em que a velha e verdadeira máxima “sem educação não há salvação” é discurso recorrente dos governantes. E existe o Brasil em que ninguém pergunta ou analisa porque a salvação ainda não veio, embora o volume de recursos destinados à educação sejam consideráveis, notadamente porque a Constituição Federal de 1988 garantiu a aplicação compulsória em educação de 25% das receitas com impostos – inclusive repasses da União – dos estados e municípios, além de obrigar a União a investir nessa área o mínimo de 18% de suas receitas com impostos.

O resultado é que o país ocupa a 53ª posição entre 63 países do PISA 2023, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos desenvolvido e coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia o desempenho de estudantes na faixa dos 15 anos de idade em três grandes áreas do conhecimento: leitura, matemática e ciências. No PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), Estudo Internacional de Progresso em Leitura, na tradução para o português, o Brasil também ficou mal avaliado no nível de leitura de texto e compreensão dos estudantes: posição 52 entre 57 países avaliados, à frente apenas de Irã, Egito, Jordânia, Marrocos e África do Sul.

Há, portanto, um país que apregoa a importância da educação e um país que ainda remunera mal os professores, investe pouco em escolas de tempo integral e que ainda trata a educação como política de governo, e não política de estado.

Existe um Brasil que aposta na reforma tributária, corretamente apontada como caminho para o desenvolvimento, e o Brasil que cede aos lobbies e às pressões para a manutenção de privilégios, deixando aberta a porta de uma das maiores fábricas de pobreza, a tributação sobre consumos e empregos.

É inegável que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados trará grande alívio para as classes C, D e E, uma vez que os gêneros alimentícios, de higiene, e componentes da cesta básica serão desonerados do imposto sobre consumo. Outros itens associados à educação, saúde e transporte público também terão reduções consideráveis. Há um Brasil, no entanto, que sucumbe às pressões de alguns setores não essenciais e no mesmo texto contempla excepcionalidades que fatalmente levarão à redução da base tributária. Assim, para a manutenção da carga tributária sobre o consumo no patamar atual, será necessário elevar a alíquota para setores não aquinhoados no projeto, de forma que a tributação ficará próxima de 27%, mesmo nível da Hungria, hoje o país com o maior nível tributário sobre consumo no mundo. Em consequência, a participação da tributação sobre o consumo deverá ser mantida no Brasil em nível superior a 40% do total da arrecadação tributária (13,56% do PIB), patamar elevadíssimo e indesejável.

Se não quiser continuar a ser o país das oportunidades perdidas, o Brasil precisa discutir com urgência pontos preocupantes da reforma em curso. É fundamental que a definição das alíquotas seja definida em até seis meses após a aprovação final, para garantir segurança jurídica, com a inclusão do teto no texto constitucional.

A urgência também é necessária para a definição do novo tributo – já aprovado na Câmara -, que incidirá sobre bens e produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Sua abrangência e alíquota máxima precisam ser incluídas no texto a ser aprovado no Senado.

O fatiamento da reforma e a indefinição sobre alíquotas impede que se saiba, ainda em 2023, qual será exatamente a carga tributária bruta a vigorar no país, hoje correspondente a 33,91% do Produto Interno Bruto (PIB). Assim, seria oportuno estabelecer a proibição de criação de novos tributos e da elevação da carga tributária acima de 34,2% a 34,5% do PIB.

Ainda no campo da reforma tributária, há o Brasil que se constitui em uma República Federativa e o Brasil que destina para a União a enorme maioria das receitas tributárias, reservando participação pequena para Estados e Municípios. A reforma tributária caminha no sentido de perpetuar, e até ampliar, essa distorção, pois estima em aumentar as receitas da União em mais de R$ 130 bilhões/ano. E, pior, tudo sendo encaminhado pelo Executivo por meio de Medidas Provisórias e projetos de lei em vez de ser objeto de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), pela qual as medidas poderiam ser mais profundamente discutidas, prestigiando-se o Congresso e a sociedade civil.

Temos o Brasil que alardeia o esforço para recompor o salário mínimo e o Brasil que pune os trabalhadores, profissionais autônomos, aposentados e pensionistas por meio da tributação sobre inflação ao não corrigir anualmente (pelo índice inflacionário) as tabelas do Imposto de Renda da Pessoa Física e das aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. Se a correção fosse aplicada nesses moldes, 93% dos brasileiros estariam isentos do Imposto de Renda e teríamos, por consequência, o maior projeto social da nação. Um país que mantém taxação elevadíssima sobre empregos, onerando estados, municípios, empresas e trabalhadores, impedindo, dessa forma, o aumento do nível de emprego e da remuneração dos trabalhadores e do funcionalismo público.

Basta ver que, no caso de uma empresa não optante pelo Simples, recaem 67,22% de encargos sobre o salário pago a um empregado mensalista. Sobre o salário/hora, os encargos são ainda maiores e chegam a 95,22%. A situação é perversa.

Um trabalhador registrado com salário mensal de R$ 5.000,00 tem R$ 525,95 descontados em folha de contribuição do INSS, além de mais R$ 354,94 de Imposto de Renda retido na fonte. Seu salário líquido, então, cai para R$ 4.119,11.  Ou seja: o governo fica com 17,62% do salário desse trabalhador, a quem caberá, ao final, apenas 82,38% de seu salário bruto.

Esse mesmo trabalhador custará mensalmente à empresa empregadora R$ 8.361,00, sendo R$ 5.000,00 de salário e mais R$ 3.361,00 de encargos sociais. Somando tudo, o governo fica com R$ 4.241,86 por mês, valor maior do que o trabalhador leva para casa.

Há o Brasil que discursa pela necessidade de preservação da Amazônia e busca o apoio internacional para que sejam evitados desastres climáticos e ambientais. E há o Brasil que ignora os 18,5 milhões de habitantes da região amazônica, cuja consciência ambiental é responsável por manter cerca de 84% da floresta em pé. São brasileiros simples – caboclos, ribeirinhos e indígenas – que sofrem com a falta de infraestrutura básica, baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) porque a União destina mais de 63% dos seus gastos tributários (renúncias fiscais) – o correspondente a 4,5% a 5% do PIB – para o Sudeste e Sul, mais desenvolvidos, em contrariedade à Constituição Federal, segundo a qual as renúncias fiscais têm de ser utilizadas para combater as desigualdades regionais e sociais.

Existe o Brasil que ocupa a 94ª posição, entre 180 países, no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), principal indicador de corrupção do mundo, produzido pela Transparência Internacional. Esse mal suga dos cofres públicos algo entre 1,38% e 2,3% do PIB, segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.  Também existe o Brasil que pune pouco os agentes públicos por malversação do dinheiro público e enriquecimento ilícito e que se transformou em uma espécie de país de corruptores sem corruptos depois que, num passado muito recente, grandes empreiteiras, alvos de grande investigação, confessaram o pagamento de propina para obtenção de contratos milionários em obras públicas, devolveram bilhões aos cofres públicos e, apesar disso, condenações de agentes

Existem, enfim, vários Brasis, nos quais estão inseridos 203 milhões de cidadãos de realidades absolutamente distintas. Cabe a esse povo escolher qual o Brasil que deseja para si e, principalmente, para as próximas gerações. Um Brasil, certamente, que não aceita corrupção.

Samuel Hanan
Samuel Hanan
Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.

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